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4 de novembro de 2022

Chico Buarque

23/6 (quinta-feira) às 10h pré-venda exclusiva Cliente Icatu (exclusivamente online).
24/6 (sexta-feira) às 10h abertura de vendas para público geral (bilheteria física e online).

Pré-venda para Cliente ICATU. Limitado a 100 ingressos por sessão, sendo 2 ingressos por CPF. Desconto mediante a apresentação do código promocional. Disponível apenas para compras online.

Abertura da casa: 19h

Turnê ‘Que tal um samba?’, de Chico Buarque, ganha uma data extra em Porto Aegre.

Devido à grande procura pelos ingressos, a turnê ‘Que tal um samba?’, de Chico
Buarque, ganha uma data extra em Porto Alegre: 05 de novembro.

Foram antes os dedos no violão – antes mesmo da cabeça pensar, do peito sentir – que pareciam fazer uma proposta à cabeça e ao coração: ‘Que tal um samba?’.

Depois de alguns anos praticamente dedicados à literatura, que resultaram no romance ‘Essa gente’ e no volume de contos ‘Anos de chumbo’ – cujo título e histórias refletem o contexto desses anos de baixo astral, pandemia, abandono e tragédia política – os dedos largaram as teclas do computador e finalmente de volta ao instrumento pareciam mesmo se rebelar e a procurar uma batida diferente, feliz, quase eufórica, uma levada ao violão como a insistir: ‘Que tal um samba?’.

E aí, levada de samba nos dedos, cabeça e coração voltaram a pensar e a sentir a música e a agir. E Chico Buarque, como é bem de seu feitio, começou a recordar velhos sambas, um especialmente, sucesso de Blecaute no carnaval feliz de 1949, ‘Que samba bom’, composição de Geraldo Pereira também numa levada toda sincopada como a sua, algo eufórica, “ô, que samba bom/ô, que coisa louca/eu também tô aí/tô aí, que é que há/também tô nessa boca…”. Sambas sobre samba, o ‘Feitio de oração’ de Vadico e Noel Rosa, essa tradição e esse espírito vinham junto com a levada ao violão como a propor ao compositor enferrujado: ‘Que tal um samba?’.

E aí, da levada criada exclusivamente pelos dedos se exercitando ao violão, o coração e a cabeça fizeram brotar uma melodia espontânea, fluente, a harmonia como sempre personalíssima. A letra, depois de alguns caminhos abandonados, veio aos borbotões. Um samba novo enfim, diferente de todos os outros que já fez, mas no mesmo espírito que baixa sempre quando o compositor de ‘Tem mais samba’, de ‘Apesar de você’, de ‘Vai passar’, de ‘De volta ao samba’ parece ter algo importante a notar e a dizer. Como sempre, nessas ocasiões importantes, em forma de samba.

“Um samba pra alegrar o dia
Pra zerar o jogo
Coração pegando fogo
E a cabeça fria
Um samba com categoria, com calma”

‘Que tal um samba?’ é o que nos propõe agora, em junho de 2022, Chico Buarque: “Para espantar o tempo feio/Para remediar o estrago”.

É o novo hino que Chico nos oferece, um samba que parece, como os dedos do compositor no início de tudo, buscar um tempo melhor (“Cair no mar, lavar a alma/Tomar um banho de sal grosso, que tal?”), espantar o baixo astral (“Sair do fundo do poço/Andar de boa”), procurar um samba pela cidade para se divertir (“Ver um batuque lá no Cais do Valongo/Dançar um jongo lá na Pedra do Sal/Entrar na roda da Gamboa”, diz, referindo-se aos berços e até hoje rodas de samba importantes no Rio).

‘Que tal um samba?’, este samba tão ao mesmo tempo urgente e já histórico, será lançado pela Biscoito Fino nas plataformas digitais neste dia 17 de junho. E é a grande novidade da turnê pelo Brasil que o compositor inicia em setembro, por João Pessoa e, depois de percorrer Natal, Curitiba, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e Brasília, chega ao Rio em janeiro e a São Paulo em março do ano que vem. No show, Chico terá no palco a companhia de Mônica Salmaso, a cantora dos compositores, que já gravou dois discos dedicados à sua obra (‘Noites de gala, samba na rua’, em estúdio e ao vivo) e fará números solo e duetos com ele, em todas as apresentações da turnê.

Conduzida evidentemente pela tal levada do violão de Chico, a gravação de ‘Que tal um samba?’ foi feita no estúdio da Biscoito Fino pelo conjunto que o acompanha há muitos anos, dirigido por Luiz Claudio Ramos, que toca o outro violão, João Rebouças no piano, Jorge Helder no baixo e Jurim Moreira na bateria. A cadência vibrante do samba fez necessária uma percussão, e para isso foi convidado Thiago da Serrinha. E um bandolim, do revolucionário do instrumento Hamilton de Holanda. Ambos, Thiago e Hamilton desde a introdução acompanham a caminhada literal do samba e costuram e enfeitam a gravação de contracantos e contrapontos exuberantes. Tornam-no ainda mais feliz.

Como ‘Apesar de você’ em 1970, ‘Que tal um samba?’ é em 2022 ao mesmo tempo um samba eterno, popular, mas essencialmente histórico, político. Política aí no sentido contemporâneo: vivida nas ruas, na praia, no futebol (“Fazer um gol de bicicleta/Dar de goleada”), no amor e na arte (“Deitar na cama da amada/Despertar poeta/Achar a rima que completa o estribilho”). E, sobretudo, na incorporação das causas mais abrangentes da vida das pessoas, como o antirracismo, explícito quando o samba propõe “Fazer um filho, que tal?”: “Um filho com a pele escura/Com formosura/Bem brasileiro, que tal?/Não com dinheiro/Mas a cultura/Que tal uma beleza pura”, em versos que citam a canção ‘Beleza pura’, de Caetano Veloso.

Tanto em 70, como agora, os sambas adotam uma posição evidente contra os governos de turno, e já celebram antecipadamente o seu fim (“Depois de tanta mutreta/Depois de tanta cascata/Depois de tanta derrota/Depois de tanta demência/E uma dor filha da puta, que tal?/Puxar um samba”).

É nessa postura desabridamente política que está, a meu ver, outro fascinante segredo da gênese de ‘Que tal um samba?’ e de seu encanto e importância. Sim, ele foi feito, como vimos, com os dedos, a cabeça e o coração, mas também com o inconsciente, esse “ambiente” tão importante para criação. Ele nem notou, enquanto compunha ou gravava, a identidade de seu samba novo com ‘Eu quero um samba’, música consagrada pela gravação de João Gilberto que Chico escolheu para cantar quando, depois de quase 15 anos sem fazer show, voltou a se apresentar ao vivo em 1988. Além da levada parecida no próprio violão de Chico, ‘Que tal um samba?’ e ‘Eu quero um samba’ são versos em cinco sílabas, redondilhas menores, e sugerem a mesma coisa, o samba para superar o tempo ruim.

Aí entram talvez os caprichos do inconsciente e das coincidências: a dupla Janet de Almeida e Haroldo Barbosa também lançou seu samba num mês de junho, só que de 1945. Não, como no caso de Chico, em forma de delicada proposta, ‘Que tal um samba?’, mas de desejo afirmativo, ‘Eu quero um samba’: “Porque no samba eu sei que vou/Me acabar, me virar, me espalhar/A noite inteira até o sol raiar”.

É que em junho de 45, eufóricos enfim com a derrota do nazifascismo depois de seis anos de guerra na Europa, e com a participação do Brasil, Janet, Haroldo e todo o samba brasileiro queriam e tinham mais é que já comemorar: “Vai melancolia/Eu quero alegria dentro do meu coração”, cantaria a plenos pulmões o grupo vocal Os Namorados da Lua, como a festejar a vitória do samba brasileiro sobre o fascismo e já vislumbrando a democracia brasileira que também seria estabelecida no ano seguinte.

Vivemos tempos ainda incertos, duros, pesados, e se Chico é mais cauteloso na proposta – ‘Que tal um samba?’ – já é ousadamente eufórico no samba que compôs para os dias que correm e os que virão. Que serão ainda de luta, afinal: “De novo com a coluna ereta, que tal?/Juntar os cacos, ir à luta/Manter o rumo e a cadência/Esconjurar a ignorância, que tal/Desmantelar a força bruta”.

Ignorância e força bruta, talvez uma definição de fascismo, certamente do espírito que se apossou do Brasil nos últimos anos, e que agora o samba brasileiro vem esconjurar, desmantelar. Cantando e feliz, no streaming, no teatro, na rua, até o pesadelo acabar.

Classificação: Livre.